Insetos entre a moda gastronômica e a
fome
por Emilio
Godoy, da IPS
Gafanhotos como uma nova delicia comestivel !!!
Gafanhotos
vermelhos à venda no mercado Benito Járez da capital de Oaxaca, México. Foto:
Nsaum75 CC BY-SA 3.0
Cidade do
México, México, 23/5/2013 – A última proposta da Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e a Agricultura (FAO), de considerar os insetos como parte
do cardápio para combater a fome, repercute com especial ênfase na Colômbia e
no México, dois países com tradição de entomofagia e grande diversidade
biológica. No México há mais de 300 espécies comestíveis destes invertebrados, segundo
um estudo publicado este mês pelo Departamento de Entomologia da holandesa
Universidade de Wageningen e pela FAO.
Porém,
pesquisas nacionais apontam mais de 500 espécies no centro, sul e sudeste deste
país megabiodiverso e com persistente pobreza que afeta 47% de seus habitantes.
“Os insetos são uma fonte viável e econômica de alimento de qualidade que
poderia, inclusive, ser melhor do que alimentos industrializados consumidos
atualmente”, disse à IPS a pesquisadora Julieta Ramos-Elorduy, do Instituto de
Biologia da Universidade Nacional Autônoma do México.
Para esta
especialista, o México “está preparado para um consumo maciço, mas é preciso
educar as pessoas sobre técnicas e formas de comercializá-los. Não há
preocupação em protegê-los. Não há medidas oficiais”, disse a pesquisadora, que
desde a década de 1970 estuda os benefícios destes bichos de idade milenar e
que encontrou 549 espécies comestíveis.
A questão
ganha dimensões ambientais, especialmente no Dia Internacional da Diversidade
Biológica, comemorado ontem. A ingestão de insetos, ou entomofagia, é uma
tradição indígena no México, conforme consta do Código Florentino, escrito por
frei Bernardino de Sahagún (1499-1590), que chegou a descobrir o consumo de 96
espécies. Alguns insetos têm até três vezes mais proteínas do que um quilo de
carne e apresentam uma concentração de nutrientes superada apenas pelo pescado,
segundo a Comissão Nacional para o Conhecimento e Uso da Biodiversidade.
O cardápio
mexicano de insetos é composto por percevejos, mariposas, escaravelhos,
borboletas, larvas de formigas e moscas, abelhas, vespas e gafanhotos,
presentes em quase todo o território. São preparados fritos, assados ou em
diferentes tipos de molhos. Nas últimas décadas, vários destes manjares
saltaram das cozinhas de famílias rurais e pobres para as mesas de restaurantes
da moda. Na cidade de Mitla, perto do sítio arqueológico zapoteco do Estado de
Oaxaca, uma pequena empresa usa as mariposas (Hypopta agavis) da planta agave
para elaborar um sal picante que acompanha o mescal, bebida alcoólica destilada
desse mesmo vegetal.
“Nos
baseamos em uma receita caseira. A moagem é feita à mão e usamos uma
misturadora manual. Também empacotamos à mão”, disse à IPS a gerente comercial
da firma Gran Mitla, Diana Coronal, que produz 300 quilos desse sal por mês. Um
quilo exige 300 gramas de mariposas moídas, outros 300 de chili seco e 400
gramas de sal. As mariposas, recolhidas entre agosto e outubro, são congeladas
para abastecer a produção, pois entre novembro e maio está proibida sua coleta
em todo o país.
A publicação
da FAO indica que mais de 1.900 espécies fazem parte de dietas tradicionais de
pelo menos dois bilhões de pessoas em todo o mundo. Os preferidos são
escaravelhos, lagartas, vespas, formigas, gafanhotos e grilos. A coleta e
criação de insetos podem gerar empregos e renda e têm potencial industrial,
segundo os autores do estudo.
“Isso pode
ser conseguido se os insetos forem cultivados e comercializados em grandes
quantidades. Mas os produtores devem ser conscientes de que estão perdendo
recursos”, disse Ramos-Elorduy, que pesquisa a produtividade de espécies de
insetos do milho e da abóbora e formas para aumentá-la. “A técnica de coleta é
a mesma em todas as partes, mas não há legislação sobre técnicas adequadas. As
pessoas as desconhecem. Além disso, paga-se muito pouco”, lamentou a
pesquisadora.
Em um
estudo, Ramos-Elorduy, Andrés Juárez e José Manuel Pino alertam que “este
valioso recurso gastronômico, devido a diversos problemas ambientais e
socioeconômicos, corre o risco de desaparecer”. O trabalho, publicado em
dezembro, conclui que “o impacto ambiental, a mudança cultural e o uso da terra
fazem com que o consumo de insetos diminua, principalmente entre os grupos de
jovens”.
A gerente
Coronal concorda que devem ser adotadas normas para proteger estas espécies.
“São necessárias regulamentações sobre coleta e comercialização. É parte da
gastronomia mexicana e é preciso cuidar desse recurso”, afirmou. Por esse
motivo, muitos coletores evitam falar sobre como e onde pegam insetos. O
documento da FAO recomenda infraestrutura automatizada e marcos regulatórios
para uma produção estável, confiável e segura. Além disso, insiste na
possibilidade de que a biomassa de insetos seja usada como matéria-prima da alimentação
animal.
Na Colômbia,
um manjar que pode ser comprado facilmente é a crocante formiga saúva cabeça de
vidro (Atta laevigata), tostada e salgada. A origem deste e de outros pratos
também é indígena. Contudo, “entrar na floresta para grandes coletas de insetos
é muito delicado, porque estes ficam em áreas de vida silvestre”, afirmou à IPS
o biólogo colombiano e planejador regional, Jaime Bernal Hadad.
A Colômbia
tem uma pobreza que afeta 32,7% da população e é o segundo país mais
megabiodiverso do mundo, depois do Brasil. “Nos ecossistemas tropicais, embora
haja grande diversidade de espécies, a quantidade por espécie é pouca. Com
grandes coletas pode-se extinguir espécies ou gerar desequilíbrio ambiental”,
alertou Hadad. “Os besouros nas árvores caídas das florestas contribuem para
sua decomposição e para o equilíbrio dessas matas. As vespas e abelhas têm um
papel importante na polinização”, explicou Hadad.
E, “embora
haja grupos indígenas que consomem esses insetos, que são apetitosos, são
grupos minoritários que não chegam a causar problema”, acrescentou Hadad. Para
o biólogo, criar insetos “é uma opção interessante, mas entram em jogo outros
fatores, como a questão cultural de aceitação e consumo. Naturalmente que na
Europa pode ser considerado exótico, mas, se falarmos de populações
marginalizadas na América Latina, a questão é diferente e até surpreendente”.
Na luta
contra a fome “não se pode descartar questões mais estruturais”, alertou Hadad.
E, além disso, “vale a pena perguntar se a proposta poderia ser controlada ou
se será outro meio de impactar a conservação, desta vez não pela pecuária ou
pela madeira, mas pelos insetos”, argumentou. “Assim, continuaremos
reproduzindo a destruição dos sistemas naturais, sem soluções reais”,
ressaltou. Envolverde/IPS
* Com a colaboração de Helda Martínez (Bogotá).
FUI...
Grande abraço!
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