quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O limite da inanidade na onda do politicamente correto.


O CRAVO NÃO BRIGOU COM A ROSA
Chegamos ao limite da insanidade da onda do politicamente correto.
Soube dia desses que as crianças, nas creches e escolas, não cantam mais “O cravo brigou com a rosa”.
A explicação da professora do filho de um foi comovente: a briga entre o cravo - o homem - e a rosa - a mulher - estimula a violência entre os casais.
Na nova letra "o cravo encontrou a rosa/debaixo de uma sacada/o cravo ficou feliz /e a rosa ficou encantada".
Que diabos é isso? 
O próximo passo é enquadrar o cravo na Lei Maria da Penha. 
Será que esses doidos sabem que “O cravo brigou com a rosa” faz parte de uma suíte de 16 peças que Villa Lobos criou a partir de temas recolhidos no folclore brasileiro? 
É Villa Lobos, Pô!
Outra música infantil que mudou de letra foi Samba Lelê. 
Na versão da minha infância o negócio era o seguinte: Samba Lelê tá doente/Tá com a cabeça quebrada/Samba Lelê precisava/ É de umas boas palmadas. 
A palmada na bunda está proibida. 
Incita a violência contra a menina Lelê. 
A tia do maternal agora ensina assim: “Samba Lelê tá doente/ Com uma febre malvada/ Assim que a febre passar/ A Lelê vai estudar”. 
Se eu fosse a Lelê, com uma versão dessas, torcia pra febre não passar nunca. 
Os amigos sabem de quem é Samba Lelê? 
Villa Lobos de novo. 
Podiam até registrar a parceria. 
Ficaria assim: Samba Lelê, melodia de Heitor Villa Lobos e letra da Tia Nilda do Jardim Escola Não Sei das Quantas,
Comunico também que não se pode mais atirar o pau no gato, já que a música desperta nas crianças o desejo de maltratar os bichanos. 
A Sociedade Protetora dos Animais cairia em cima com processos.
Quem entra na roda dança, nos dias atuais.
Não pode mais ter sete namorados para se casar com um. 
Sete namorados é coisa de menina fácil, estimula o sexo sem amor, a vulgaridade.
Ninguém mais canta: “Pai Francisco entrou na roda, tocando seu violão, vem de lá Seu Delegado, e Pai Francisco foi pra prisão”. 
O pobre do Pai Francisco foi preso apenas por vadiagem, mas atualmente ficaria sob a suspeita de ser traficante.
Ninguém mais é pobre ou rico de marré-de-si, para não lembrar à garotada a desigualdade de renda entre os homens. 
Dia desses alguém (não me lembro exatamente quem saiu com essa e não procurei a referência no meu babalorixá virtual, Pai Google da Aruanda) foi espinafrado porque disse que ecologia era, nos anos setenta, coisa de viado. 
Qual é o problema da frase? Ecologia, de fato, era vista como coisa de viado. 
Eu imagino se meu avô, com a alma de cangaceiro que possuía, soubesse que algum filho estava militando na causa da preservação do mico-leão-dourado, em defesa das bromélias ou coisa que o valha. 
Bicha louca, diria o velho. 
Vivemos tempos do 'não me toques que eu magoo'. 
Quer dizer que ninguém mais pode usar a expressão coisa de viado? 
Que me desculpem os paladinos da cartilha da correção, mas isso é uma tremenda babaquice. 
O politicamente correto é a sepultura do humor, da criatividade, da divertida sacanagem. 
A expressão coisa de viado não é, nem a pau (sem duplo sentido), ofensa a bicha alguma. 
Daqui a pouco só chamaremos o anão - o popular pintor de roda-pé ou leão-de-chácara de baile infantil - de deficiente vertical. 
O crioulo - vulgo picolé de asfalto ou bola sete (depende do peso) - só pode ser chamado de afrodescendente. 
O branquelo - o famoso branco azedo ou Omo total - é um cidadão caucasiano desprovido de pigmentação. 
A mulher feia - aquela que nasceu pelo avesso, a soldado do quinto batalhão de artilharia pesada, também conhecida como o rascunho do mapa do inferno - é apenas a dona de um padrão divergente dos preceitos estéticos da contemporaneidade. 
O gordo - outrora conhecido como rolha de poço, chupeta do Vesúvio, “Orca, a baleia assassina” e bujão - é o cidadão que está fora do peso ideal. 
O magricela não pode ser chamado de morto-de-fome, pau-de-virar-tripa e Olívia Palito. 
O careca não é mais o aeroporto de mosquito, tobogã de piolho e pouca telha. 
Nas aulas sobre o barroco mineiro, não poderei mais citar o Aleijadinho. Direi o seguinte: o escultor Antônio Francisco Lisboa tinha necessidades especiais... Não dá. 
O politicamente correto também gera a morte do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil. 
O recente Estatuto do Torcedor quer, com os olhos gordos na Copa e 2014, disciplinar as manifestações das torcidas de futebol. 
Ao invés de mandar o juiz pra puta-que-o-pariu e o centroavante pereba tomar no olho-do-c... , cantaremos nas arquibancadas o allegro da Nona Sinfonia de Beethoven, entremeado pelo coro de “Jesus, Alegria dos Homens”, do velho Bach. 
Falei em velho Bach e me lembrei de outra. 
A velhice não existe mais. 
O sujeito cheio de pelancas, doente, acabado, o famoso pé-na-cova, aquele que dobrou o Cabo da Boa Esperança, o cliente do seguro-funeral, o popular tá-mais-pra-lá-do-que-pra-cá,  já tem motivos para sorrir na beira da sepultura. 
A velhice agora é simplesmente a "melhor idade". 
Se Deus quiser morreremos, todos, gozando da mais perfeita saúde. Defuntos? Não. 
Seremos os inquilinos do condomínio Cidade do Pé-Junto.

Luiz Antônio Simas 
(Mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor de História do ensino médio).

FUI...
O que você achou desse relato do Luiz Antonio Simas? Estaria ele correto no que apresenta, ou estaria exagerando? Você decide!

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